A morte do pensamento diante da evolução humana

Um tema muito discutido que venho observando em noticiários, perfis informativos, e até mesmo ensaios publicados como esse aqui, é sobre a geração Z. Muitos desses conteúdos contém críticas e/ou opiniões sobre a relação dessa geração com a tecnologia, pois foram os primeiros a ”nascer” com ela; eu mesmo sou um deles.

Mas em minha opinião é que o consumo excessivo da Internet por exemplo, não é o pior dos males destas pessoas, o buraco é mais embaixo. Por quê?

 

O Início do Problema

Quando falamos nas consequências do consumo digital excessivo, uma das primeiras coisas que vem à nossa mente é o termo ”brain rot”. Ele ficou muito famoso pouco tempo atrás porque surgiram personagens cômicos sobre esse tema, os famosos memes. Foi a palavra do ano em 2024.

Brain Rot foi o termo escolhido para definir a deterioração mental devido ao uso excessivo de conteúdos online, acarretando em consequências comportamentais e mentais que não são inofensivos, dentre eles a piora na qualidade da memória, cansaço mental, falta de atenção e outro sintomas cognitivos.

Uma das origens desses sintomas é a qualidade dos conteúdos publicados em toda a Internet. A junção do excesso de atenção e conteúdo de baixa qualidade e hiperestimulado, acarreta nos sintomas que citei. Pois muitos desses conteúdos são criados com o intuito de atrair total atenção de quem está consumindo sem se preocupar com a qualidade informativa.

Um exemplo prático que consigo trazer aqui são os desenhos infantis. Lembro que em minha infância as animações que eu acompanhava eram mais lentas, histórias mais densas e simplistas, focadas na relação entre os personagens. Você acompanhava o início, meio e fim, sem aquela ansiedade desenfreada por mais – apesar de que eu aguardei muito pelos episódios em que o Goku enfrentava o Cell, Freeza ou Majin Boo.

Em contrapartida, eu não acompanho praticamente nada das animações atuais, mas o pouco que aparece para mim é o suficiente para eu entender a personalidade totalmente inversa às antigas.

Os hiperestímulos visuais, coloridos e rápidos formam uma reação cognitiva na criança (e até mesmo em adultos com um pouco menos de neurônio), reação à qual danifica sua qualidade de pensar, raciocinar e reagir às situações do mundo real.

Tudo é criado para viciar o mais rápido possível, e tudo acontece o mais rápido possível também. Fazendo com que a criança queira mais, com mais intensidade. Histórias curtas, recheadas de cortes rápidos e bagunçados, cores altamente chamativas e inflamadas, reações dos personagens exageradas mas sem profundidade intelectual ou comportamental. Tudo isso para viciar no estímulo e não pensar sobre a qualidade da informação apresentada.

Eu trouxe os desenhos infantis para exemplificar melhor, mas a análise serve perfeitamente para todo o conteúdo nocivo que existe na Internet. Canais do YouTube, influenciadores (que de influência não entendem nada), artigos, jornais, filmes, séries, jogos e muito mais.

O ponto inicial é justamente esse, consumir o que estimula nosso cérebro o mais rápido possível, fazendo com que ele fique viciado em dopamina rápida e, consequentemente, mais preguiçoso – o começo do fim.

 

O Mecanismo do Vício

As redes sociais são as líderes em oferecer mecanismos que entregam essa dopamina rápida e viciosa para nós. Elas formaram a armadilha perfeita para quem não consegue se livrar dessa corrente, e ela se chama rolagem infinita.

O Orkut anos atrás, YouTube, Facebook e tantas outras redes sociais que passaram por nós, tinham seus métodos de captar e prender a atenção dos seus usuários. Existiam pessoas viciadas em Orkut 18 anos atrás, por exemplo. Mas o foco desse vício ainda estava na interação social, pessoas passavam horas nele conversando umas com as outras, publicando seus pensamentos ou jogando os jogos que vieram no fim da rede social, e não passava muito disso. Não vou dizer que não teve suas consequências na época, pois nada substituirá a comunicação verbal e presença física, mas em minha visão ainda existia humanidade naquilo.

Voltando a falar da rolagem infinita, essa obra do dêm… Essa obra humana engenhada por humildes, respeitosos e generosos engenheiros da computação, psicólogos e empreendedores ambiciosos, veio para desnivelar o jogo – humano versus máquina.

Com esse mecanismo, nós recebemos uma explosão de estímulos que nos agradam, ou não, de forma muito rápida, sem termos tempo de raciocinar o que acabamos de ingerir, e mais do que isso, nosso cérebro é preguiçoso, e quando perdemos o controle dele, sentimos vontade de mais e mais. Ele não assimila e não digere a informação, apenas nos envia avisos ”urgentes” de que precisamos mais daquilo para nos sentirmos satisfeitos. E para ajudar, ainda existe o algoritmo por trás, formando a dupla dinâmica inimiga do bem-estar mental.

O algoritmo para quem não sabe é a capacidade da plataforma reconhecer seus interesses com base em curtidas, compartilhamentos e até mesmo ouvir sobre assuntos que você comentou com outra pessoa… E entregar conteúdos com base nisso, prendendo sua atenção cada vez mais. Apesar de ter um apelo mais marketeiro, e você já provavelmente ter vivenciado essa experiência – falar de um produto específico com alguém e logo em seguida surgir propagandas daquele mesmo produto – ainda sim é assustador o quanto você é monitorado e avaliado constantemente.

 

A Preguiça Mental

Como tudo isso pode afetar o futuro?

A Geração Z, criada pela Geração X e Millenials, talvez é a maior afetada por esse boom tecnológico (e psicológico!), mesmo sem sermos os grandes responsáveis por essas grandes inovações, nós somos o principal alvo. Mas o que estou dizendo não tira a nossa própria culpa.

Apesar de sermos as cobaias de maior sucesso das Big Techs, acredito que poderíamos ter seguido um caminho mais cuidadoso com as consequências de ter centenas, milhares ou até milhões de curtidas digitais em fotos. Obviamente não é somente esse pessoal que foi afetado; existem vovôs e vovós tão sugados quanto nós por essa malandragem legal.

Mas o X da questão é o futuro. Como será a saúde mental da população que governará nações nos próximos anos é algo que muito tem a ser discutido. As consequências cognitivas de milhões de pessoas devido à realidade atual de mega inovações é, no mínimo, alarmante.

Como vamos ter discernimento em tomar decisões sábias e guiadas pela experiência humanística, se o principal foco hoje é saber se os famosos casais x ou y terminaram ou não? Se a porcentagem de leitores (aqueles que folheiam um livro realmente) está diminuindo cada vez mais? Se o foco dos atuais governantes é discutir pautas inúteis para agradar tal público, e não falar sobre economia, saúde, pesquisa científica e educação de verdade?

Tudo está muito conveniente em minha visão, mas essa conveniência está pesada demais para o lado errado da coisa. As coisas nunca estiveram tão fáceis como hoje, e como consequência disso, precisamos pensar cada vez menos. As automações estão tomando o espaço do simples pensamento e reflexão – para mim é incabível a ideia de que já existem pessoas pedindo ”conselhos” psicológicos ao ChatGPT – é o fim dos tempos, como diz o ditado.

 

Conclusão

Para não me estressar mais, vou apenas deixar uma ideia aqui que eu estou acompanhando no livro Antifrágil do Nassim Thaleb. Nesse livro ele explica a ideia da antifragilidade, o oposto da fragilidade; é tudo aquilo que se beneficia com o atrito, com a adversidade, com o trabalho difícil…

Como exemplo, para você melhorar sua oratória você deve engolir o sentimento ruim de vergonha e se expor ao público e falar. Você deve apanhar primeiro para aprender a bater. Você deve machucar seus músculos para eles crescerem. Se você pedir o resumo de um livro à uma Inteligência Artificial, você provavelmente saberá o que acontece no início, meio e final, mas e o esforço cognitivo (aquilo que deixa você mais capaz mentalmente) fica em qual parte?

Você deve ser antifrágil no mundo, não deve temer receber o atrito da vida, é justamente por ele que você cresce e se aperfeiçoa. Não se deixe consumir por conteúdos rápidos e hiperestimulantes, pense e reflita, não tenha pressa em montar uma ideia sobre as coisas, mesmo que seja uma ideia errada, é a sua ideia sobre aquilo.

Crie coisas, faça tarefas manuais, evite comprar ou contratar soluções rápidas. Isso vai salvar sua vida e a vida daqueles que dependem e dependerão de você nos próximos anos. Não siga a massa, a nova corrida dos ratos – analogia que eu odeio ver os marketeiros baratos usarem – é você justamente seguir eles, seguir tendências, usar o que eles vendem que ”facilita” sua vida. O fácil irá ficar difícil no futuro, mas essa consequência é invisível, por isso o mundo caminho por essa água cristalina aos olhos, mas de profundidade perigosa.

 

 

Categories: Estudos

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